Por Vitória Benício

A partir de dados do documento emitido pelo Alto Comissariado das Organizações das Nações Unidas (ONU), o “Global Trends”, é possível perceber que a Síria é o segundo maior número de solicitações de refúgio no Brasil. Mais da metade da população da Síria viveu em deslocamento em 2016, chegando ao total de 5,5 milhões de refugiados. A maior parte desse aumento ocorreu entre 2012 e 2015, quando a guerra atingiu seu ápice. Porém, foi em 2011, seguido por um efeito dominó da Primavera Árabe, que começou o início de um conflito que duraria mais de seis anos.

Para o empresário, Taj Din, 59 anos, que nasceu no Brasil, e foi criado na Síria desde pequeno, as intervenções de potências bélicas como os Estados Unidos, que armaram a milícia curda, e a Rússia, que por outro lado, enviou tropas para ajudar o governo, mostram que a guerra envolve interesses políticos. “É tudo comercial, é uma guerra 100% econômica. A Síria é um país localizado estrategicamente, ele conecta a toda Ásia pelo acesso ao mar mediterrâneo”, diz ele.

Um míssil caseiro é lançado em combatentes pró-regime em Aleppo, no norte da Síria. (AFP / Zakaria Abdelkafi)

Taj voltou ao Brasil, pela primeira vez, em 1980, quando já tinha 22 anos. Embora tenha estudado engenharia eletrônica, na Jordânia, escolheu trabalhar no ramo de restaurantes no Rio de Janeiro. No mesmo ano em que a guerra da Síria começou, abriu sua loja especializada em comida árabe e com as receitas da família. Aos poucos, o restaurante Camelo’s, na Tijuca, Zona Norte do Rio, se consolidou no mercado. “O brasileiro adotou a esfiha, é um dos salgados que mais vendemos. Tudo que oferecemos em nosso restaurante é feito com receitas de família e com ingredientes árabes”, conta.

Além de fabricar os lanches que vende, Taj usou sua fábrica, também localizada na Tijuca, para acolher diversos refugiados que chegavam da Síria. “No andar de cima da fábrica, havia um salão imenso com cozinha e banheiro. Eu comprei camas, travesseiros e outros objetos para eles morarem lá”, revela. Taj conta, que a maioria dos refugiados chegava sem dinheiro e sem saber falar português. “Alguns trabalharam comigo durante um ou dois meses, para aprender um pouco da língua e ganhar um salário, até dar tempo de receber os documentos necessários”. Hoje, a maioria dos refugiados que ele acolheu trabalha, na rua, com comida árabe. “Refugiados são empreendedores natos, eles não gostam de trabalhar como empregados”, afirma. “Mas fico feliz por ter ajudado a tanta gente”, diz Taj, que já abrigou mais de 10 pessoas em todos esses anos – atualmente, dois moram na sua fábrica.

Destruição em massa na cidade de Aleppo. (Unsplash / Aladdin Hammami)

 

Ao voltar a falar sobre a guerra em seu país, Taj é bem crítico. “Se fosse uma guerra só do povo contra o governo, o presidente já teria sido deposto, porém, ainda continua lá”, afirma Taj. O exército do governo Sírio e seus aliados vêm progredindo na retomada dos territórios invadidos pelo Estado Islâmico, e vem se notando, que muitos refugiados estão voltando para suas cidades, a fim de reconstruir a vida e ver o que restou. A guerra não chegou ao fim, mas talvez esse seja um momento de esperança, para aqueles que deixaram tudo para trás. Atualmente, os familiares e amigos de Taj, ainda moram na Síria. “O exército sírio é o filho da nação, quando eles recuperam as cidades, as pessoas voltam e fazem festas”, comenta.

A Síria do povo deixa lembranças. Liberdade religiosa, segurança, direitos às mulheres – como estudar, ter emprego, dirigir carros e se vestirem de acordo com suas crenças – eleições livres, de acordo com a Constituição, e entre outros aspectos faziam da Síria um país em ascensão. “A última vez que estive lá foi em 2010. Havia muitos hospitais, escolas e faculdades públicas para toda população. A cidade era segura e se vivia muito bem”, relembra Taj Din durante o tempo que passou em Tartus, antes do conflito começar. Hoje, o Brasil é sua casa.

Taj Din ao lado de sua filha e em frente ao seu restaurante. (Vitória Benício)