Com 105 anos da presença do Evangelho de Jesus Cristo e 25 anos tendo a tradução do Novo Testamento, a etnia Terena conta agora com um projeto audiovisual para estimular a vivência da Palavra de Deus através da cultura oral

Por Larissa Mazaloti

Assim como muitas aldeias próximas às cidades, a aldeia Terena Água Branca – em Aquidauana, MS – passou pelo processo de urbanização acessando elementos culturais que não são os seus. A juventude da aldeia enfrenta problemas como o alcoolismo, vício em drogas e prostituição. O crescente acesso à internet foi também a porta de entrada dos terenas para a pornografia, algo que também cresce na sociedade não indígena. Um projeto audiovisual de oralidade com histórias bíblicas foi a resposta que um casal de missionários deu a essa realidade preocupante entre jovens indígenas.

Como o evangelho chegou aos Terena

A oralidade é um processo comum a todos os brasileiros: o aprender através da fala, das histórias contadas nas rodas de amigos ou à mesa com a família. E entre os indígenas isto é ainda mais forte, sendo que qualquer ensino torna-se mais acessível através da fala em sua língua materna. O Evangelho chegou na aldeia Água Branca há 105 anos por meio de movimentos missionários, que iniciaram o processo de tradução do Novo Testamento. Este, já está nas mãos dos indígenas terenas há 25 anos. A etnia Terena não tinha nenhum tipo de material que valorizasse sua tradição oral até então.

Protagonismo Terena

Patrícia Oliveira e seu esposo, Patrick Oliveira, são missionários da organização Jovens Com Uma Missão (JOCUM) em Almirante Tamandaré-PR. Eles participaram de uma conferência realizada pela organização em 2018 e tiveram uma ideia: “Por que não ter no celular uma história bíblica de seu povo ao invés de pornografia?”. O casal colocou a ideia em prática. Quando ainda eram solteiros, em 2014, fizeram uma viagem por meio da JOCUM e conheceram pelo menos dez aldeias indígenas, entre elas a Aldeia Água Branca.

Desde então, Patrícia e Patrick desenvolveram um relacionamento sólido com os terenas. “Muito do que eu vivo ministerialmente e pessoalmente foi planejado em uma rede, debaixo das mangueiras, na Aldeia Água Branca”, lembrou Patrícia. Todos os anos eles passam uma temporada na aldeia. Para eles, o lugar não é mais um “campo missionário”, mas uma família. “Comemos com eles, dormimos nas casas deles, conhecemos eles e eles nos conhecem”, afirmou. Em 2016, o casal morou por oito meses em Água Branca.

Na mesma semana em que decidiram elaborar o projeto, Patrick e Patrícia ganharam de presente uma câmera semi-profissional, o que sinalizou que o desenvolvimento da iniciativa era possível. Em janeiro de 2019 foram até a aldeia em Aquidauana e reuniram os indígenas, que aceitaram a proposta e gravaram a dramatização das histórias bíblicas “O Filho Pródigo” e “A Mulher do Fluxo de Sangue”. “Nosso objetivo era que, na língua terena, a aldeia pudesse olhar para o filho pródigo terena: o menino que deixa a aldeia, conhece o vício, perde tudo e, ao decidir voltar, é recebido pelo pai. A mulher do fluxo de sangue é uma mulher terena”, relata Patrícia. Os atores são os próprios indígenas, que ficaram emocionados ao se verem atuando. E o texto foi todo na língua terena.

Novas oportunidades: indígenas universitários

Para Gina, como é conhecida a terena Ginaíde Farias, o projeto traz uma oportunidade para que os jovens repensem a forma como estão vivendo. “Nos últimos dez anos as coisas mudaram muito. Pessoas que conheci quando crianças agora estão envolvidas com drogas e pornografia”, relata. Ela é filha do pastor Ladislau, pioneiro na tradução da bíblia para a língua terena e um preservador da língua entre crianças e jovens.

“Quando conheci a JOCUM, pensava que uma indígena não poderia ir para tão longe da aldeia, mas eu fui e agora posso ajudar o meu povo”, comemora Gina, que foi aluna da ONG em 2011. Como missionária, ela foi ao Paraguai e Bolívia e ficou por quatro anos como obreira de base. Agora Gina é universitária do curso de Letras, dividindo sua vida entre os dias de atividades na aldeia, falando em terena, e durante a noite no ambiente acadêmico, falando português. Como ela, cerca de 300 indígenas daquela região estão na universidade.

A língua Terena

A etnia Terena está espalhada por pelo menos 16 territórios diferentes no Brasil. De acordo com o site Povos Indígenas do Brasil (Instituto Socioambiental) a língua, proveniente do tronco linguístico Aruák, está presente no dia a dia de quem se reconhece como Terena. No entanto, o uso frequente da língua varia de aldeia para aldeia.

Os Terena são considerados um povo bilíngue, pois dominam tanto sua língua nativa quanto a língua de contato, que neste caso é o Português. O uso da língua como um fator de socialização não é algo recorrente aos terenas, pois eles têm orgulho de dominar o português e de manter relação com o que chamam de “mundo dos brancos”.

Gardênia Nascimento, em uma dissertação de pós-graduação em estudos etnolinguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que as línguas da família Aruák estão presentes em boa parte da América Latina – como Bolívia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Venezuela, Colômbia, Peru, Brasil, Belize, Honduras, Guatemala e Nicarágua. São 40 línguas vivas pertencentes à família Aruák. Só no Brasil, 16 delas podem ser citadas: apurinã, baníwa do içana, baré, kámpa, kuripáko, maxinéri, mehináku, palikúr, paresí, salumã, tariána, terena, wapixana, warekéna, waurá, yawalapiti.