Artigo por Márcia Suzuki

O anjinho de Canarana-MT, a bebezinha Kamaiura enterrada viva, é apenas o caso de número 160.

Um bebê enterrado vivo. Um vídeo de um minuto. Milhões de visualizações em três dias. O Brasil chocado. Centenas de mulheres se oferecendo para adotar o “anjinho de Canarana”. Revolta, falta de ar, palpitações, choro… Essas são apenas algumas das reações daqueles que assistem as cenas estarrecedoras do vídeo postado no site da Polícia Militar de Mato Grosso há três dias atrás.

O vídeo mostra os policiais chocados, cavando a terra com as mãos, ouvindo sem acreditar o chorinho abafado da bebezinha. Ela vinha lutando bravamente para respirar nas sete horas que tinha ficado debaixo da terra. Era como um segundo parto, a cabecinha primeiro, sendo arrancada do seio escuro da terra. Depois veio o corpinho, lindo, gordinho, coberto de pó. Um minuto de vídeo. Tempo suficiente para chocar o país.

O que a população estarrecida não sabe é que o anjinho de Canarana não é a única bebezinha indefesa enterrada viva nos últimos anos no Brasil. Ela é apenas o caso de número 160 desde que a Lei Muwaji entrou em tramitação no Congresso.

Cento e sessenta bebês passaram por isso. Cento e sessenta bebês lutaram para respirar, para sobreviver debaixo da terra escura e fria, enquanto seus próprios parentes socavam ou pisoteavam seus túmulos. A diferença é que esta foi resgatada com vida diante das câmeras.

E esse número é apenas uma amostra representativa. Estou contando apenas os 159 casos registrados oficialmente de acordo com o Mapa da Violência e o Ministério da Saúde (MS) entre 2012 e 2015. E isso foi só no estado de Roraima. Se a FUNAI e a SESAI não se negassem a documentar os casos de infanticídio nas 20 e poucas tribos que ainda o praticam, esses números seriam bem maiores. Nossa estimativa conservadora é de que aconteçam cerca de 200 casos por ano.

Que a saga do anjinho de Canarana possa valer à pena. Que essas crianças deixem de ser invisíveis. Que outros anjinhos tenham a chance de viver. Que o Senado aprove a Lei Muwaji e garanta o direito à vida das crianças indígenas rejeitadas.