Fotojornalista documenta regiões afetadas por vazamento da Hydro e relata experiência

Texto e fotos por Maycon Nunes/GNI

Chegamos em Barcarena por volta das 10h da manhã de domingo (25), debaixo de uma chuva torrencial, típica do inverno na região amazônica. Diferente de outras partes do Brasil, aqui não faz frio nessa estação, apenas chove mais. As chuvas são corriqueiras e costumeiras, dividindo a vida do paraense entre antes e depois delas.

O clima que antes trazia sorrisos e alívio para o calor escaldante desta região, agora traz medo e desespero para os moradores de Barcarena, principalmente para os que moram perto das bacias de rejeitos da maior produtora de alumínio do mundo, a Hydro.

As comunidades de Vila Nova, Bom Futuro e Burajuba têm algo mais para se preocuparem além da Mineradora. Segundo o governador do Estado do Pará, a culpa é de São Pedro – popularmente conhecido como o santo que controla as chuvas – que deve ter deixado as torneiras celestiais abertas, bem em cima de Barcarena e da região do Caripi.

Foi neste jogo de empurra-empurra, que começamos a caminhar pela estrada de barro, dentro da mata, que nos levaria por um igarapé e até um dos portões da bacia de rejeitos da mineradora norueguesa.

Meu guia é um jovem tipicamente nortista. Cabelo liso, traços indígenas misturados com branco dão ao menino de 16 anos um ar de caboclo. A estrada é cercada de mato alto e em algumas áreas as copas das árvores chegam a tocar umas nas outras, formando uma espécie de túnel úmido e verde.

Passamos pelo igarapé, por árvores caídas e por outros jovens que aproveitam a chuva para pegar frutas que caíram, ao mesmo tempo que se arriscam dentro da mata encharcada pela água e, quem sabe, contaminada por rejeitos. Ao fim da estrada paramos no portão da mineradora e, certo tempo depois, um vigilante apareceu com um guarda-chuva e uma camisa na cabeça, daquele jeito que deixa apenas o rosto de fora.

Ele olhou para o meu guia, que estava há alguns metros longe de mim, e perguntou: “Ele é funcionário da Hydro?”, respondi que não. “Então por que está com o uniforme da empresa?”,  questionou. Minha reposta foi categórica: “Não sei, cada um veste o que tem”, mas em minha mente também quis saber o porquê.

Caminhamos os mesmos dois quilômetros para voltar, então questionei: “Você não tinha outra roupa para usar? Sei lá, uma camisa do Remo ou do Paysandu (times populares no Estado do Pará)? Tinha que ser justo essa? Onde conseguiu essa roupa?”. Falando baixo, não sei se por costume ou por vergonha, ele respondeu: “Sou catador no lixão que existe lá na comunidade Bom Futuro (ao lado da Vila Nova, onde ele mora). Achei a camisa da Hydro e a calça da Albras lá e uso em dias de chuva para me proteger”.

Engoli a seco, apesar de estar encharcado, pois essa triste coincidência, de ver um menino nativo se proteger das chuvas com uma roupa da empresa que ameaça a vida local, tanto da flora e a fauna e como a vida humana, me fez ver a inocência desse povo e dos povos da Amazônia. São explorados, caçados, calados, abatidos ou deixados de lado, esquecidos pelo poder público em todas as esferas. Sejam índios, comunidades tradicionais, ribeirinhos ou quilombolas, todos são explorados há muitos anos.

E nada muda!

Fora da floresta existe um discurso bonito, polido e ecologicamente correto, maquiado pelas mineradoras e outros extrativistas. Com suas ações para “gringo ver” e pagar, essas empresas escondem a realidade, que existe por baixo da política de responsabilidade socioambiental. O que aconteceu e acontece em Barcarena é apenas uma das diversas situações que ocorrem em toda a Amazônia legal. Povos antigos, indígenas entre todas as etnias, são pressionados, encurralados e mortos à míngua e à bala por empresários, políticos, madeireiros, garimpeiros e latifundiários. Lençóis freáticos, rios, igarapés, plantas e animais, são mortos e vistos como pequenos efeitos colaterais ou pequenos sacrifícios diante do progresso.

O que vemos é que o lema escrito na bandeira brasileira – ordem e progresso – se aplica ao Norte apenas em parte, apenas a parte de dar a ordem. E a ordem por aqui é “Tudo pelo progresso, o progresso por tudo”. Nos jogam um punhado de smartphones, telas de led, algumas cestas básicas e garrafões de água, como um “cala a boca”. Os que não aceitam, são comprados ou calados na bala. Pois por aqui ainda vivemos nessa política, a mesma de Pablo Escobar, “dinheiro ou bala”.

A Amazônia em toda a sua extensão ainda é governada com mão de ferro pelos coronéis do passado e pelas oligarquias patriarcais que estão no poder há anos. Que devastam tudo, compram tudo, destroem o que querem e ainda culpam o pescador da Galileia – São Pedro -, que andou com Cristo. Vamos lá, Pedroca, feche a torneira, pois os pecadores dizem que a chuva é culpa tua.