Texto e imagens: Eliceli Bonan

Conheci Ali Nour Ahmed durante meu tempo como voluntária no campo de refugiados da ilha de Lesvos, na Grécia. Ele era também um voluntário, traduzindo para a nossa equipe. Uma noite contou-me de como chegou ao campo, totalmente surpreso pelo que encontrou. Os contrabandistas a quem pagou para fazer a travessia até a Grécia disseram-lhe que, assim que chegasse na ilha, iria para Atenas, depois para onde quisesse, na Europa. Nada disseram de campos de refugiados ou das condições penosas que teria pela frente. Ao chegar a Lesvos, as informações eram ainda mais confusas e desanimadoras: não poderia sair até ser chamado para uma entrevista, onde decidiriam se poderia permanecer na Grécia ou seria deportado. Os dias viraram semanas, as semanas, meses…

Depois que saí da ilha, recebi a notícia de que meu amigo, finalmente, tinha sido chamado para sua entrevista e seu pedido de asilo foi aceito, cinco meses depois de ter chegado.

Abaixo, conto sua história:

“O grupo Al-Shabaab* atua na região sul da Somália, onde eu nasci. Minha família deixou a Somália para viver no Quênia, por causa da guerra e eu cresci ali. Meu padrasto envolveu-se com o Al-Shabaab e levou meu irmão mais velho para fazer parte do grupo. Meu irmão morreu numa batalha. Então, meu padrasto começou a insistir que eu me juntasse a eles, pois se não fizesse, já tinham garantido que iriam me matar.

Não queria fazer parte daquele grupo, por ser fundamentalista islâmico e terrorista. Estava terminando o Ensino Médio e quero continuar estudando, é isso que quero. Então, decidi fugir para salvar minha vida. No dia 16 de junho deste ano, deixei meu país. Voei do Quênia para o Irã. Dali prossegui a pé, para cruzar a fronteira com a Turquia. Fiz a travessia sozinho, sem saber se daria certo. Paguei aos contrabandistas ‎€ 1 mil pelas passagens do Quênia para o Irã e depois por um lugar pra ficar em Istambul.

Depois que cheguei na Turquia, fiquei ali por algumas semanas até ter dinheiro suficiente. Eram mais ‎€ 600 para vir de barco até a Grécia. Minha travessia foi durante a noite e eu estava com muito medo. Eu era o capitão de um pequeno barco que tinha capacidade para 45 pessoas, mas estava com mais de 60. Foi bem assustador. No meio da travessia, as ondas do mar ficaram mais altas e mais fortes. As pessoas gritavam e oravam. Até hoje  acho que não compreendo bem todos os riscos que corremos naquele barco. Tento não pensar neles. Acabou dando tudo certo.

Quando chegamos na ilha de Lesvos, não sabia o que iria acontecer conosco. Os contrabandistas tinham nos dito que iríamos direto para Atenas e depois de algumas semanas poderíamos ir para o país que quiséssemos na Europa. Mas, assim que chegamos, fomos levados a um centro de detenção, o campo de refugiados de Moria. Fomos informados que por 25 dias não poderíamos sair do campo ou ir para qualquer lugar na cidade. Isso foi uma surpresa pra mim!

Eu pensei que ficaríamos em um bom lugar, com tudo que precisássemos, como uma casa pelo menos, atividades para ocupar nosso tempo. Mas não era nada disso, muito pelo contrário… Fiquei no campo por cinco meses. Só o que me deram foi uma barraca para dormir, que eu tinha que dividir com mais cinco amigos, e comida três vezes ao dia. Para comer, precisava entrar na fila todas as vezes e esperar por mais de uma hora. Às vezes, quando chegava à cozinha para pegar meu prato de comida, não tinha mais nada e eu ficava sem comer. Isso era horrível.

O campo de refugiados em Lesvos foi o lugar mais horrível que já vi em toda a minha vida. Mas consegui tirar proveito deste tempo. Conheci muitas pessoas de diferentes nacionalidades, alguns deles com problemas como os meus e muitas vezes muito piores. Especialmente famílias, é muito mais difícil para eles. O campo me ensinou sobre a vida, sobre importar-me com as pessoas e saber o que é humanidade.

Depois de tanto tempo esperando, as autoridades gregas me chamaram pra uma entrevista e aprovaram meu pedido de asilo de refugiado. Eu não seria deportado! Essa foi a melhor notícia! Parti para Atenas poucos dias depois, onde agora divido um apartamento com meus amigos. Minha família ajuda-me a pagar os gastos com aluguel e também faço pequenos trabalhos como freelance de vez em quando.

Em Moria, trabalhei como voluntário em uma organização que gerencia o campo, ajudando a traduzir para diferentes línguas para os refugiados que não falam inglês. Continuo fazendo isso aqui.

O que eu quero fazer no futuro é ajudar pessoas que precisam de ajuda. Apesar de eu mesmo estar agora em uma condição em que preciso de ajuda, conheço várias pessoas que precisam muito mais do que eu! Meu sonho é um dia chegar à Suíça e continuar meus estudos. Quero estudar Direitos Humanos e trabalhar com refugiados”.

Notas: *A Somália enfrenta uma guerra civil desde 1991. É um dos locais mais violentos e perigosos da África. O gruop Al-Shabaab, também conhecido como Movimento de Resistência Popular na Terra das Duas Migrações, é um grupo afiliado à Al-qaeda, fundamentalista islâmico, que efetua ataques terroristas contra o governo somali, também na Etiópia e Quênia. Tem cerca de 7 mil membros.